Nana

Testemunho da Guerreira Gabriela, a Mãe da doce Nana

Acompanho a história da Nana tem algum tempo. Assim que lancei o blog convidei a Gabriela para enviar um testemunho. A sua garra e coragem, me motivaram a insistir no convite!

E não é que recebemos este lindo texto contando um pouco da história de mãe e filha.  

Quanta Honra!


Filha,

Fui convidada a escrever um texto sobre maternidade, sobre a nossa história, sobre nós duas. Não consegui. Justo eu, que me vanglorio da relação estreita com as palavras, não consegui. Por onde começaria a narrativa? O meu desejo de ser mãe é tão antigo que nem consigo lembrar quando surgiu. Engraçado que eu não conseguia me imaginar casada, mas sempre me imaginei mãe. E você chegou quando eu e seu pai já dividíamos o nosso caminhar. A vida é assim, filha. A gente imagina de uma maneira e ela acontece de outra. Foi assim com você também. Eu te imaginei de um jeito diferente do que você é, muito diferente. Nem sabia que histórias como a nossa existiam, não imaginava que um bebê tão pequeno pudesse sobreviver.

Quando você ainda era um pitoquinho de vida dentro de mim, fui convidada para apresentar a festa de 15 anos de uma adolescente meiga, iluminada e muito amada que tem Síndrome de Down. Preparando o texto para esse aniversário, eu aprendi que um exame feito na gestação chamado transluscência nucal indica a possibilidade de uma criança nascer com essa alteração genética. Alguns dias depois desse aniversário, numa sexta-feira, fiz esse exame por meio de uma ultrassonografia de rotina na 13ª semana de gestação. E olha lá sua transluscência nucal alterada. Mamãe sentiu o mundo ficar em suspenso e na mais completa escuridão. Não fazia parte dos meus sonhos ser mãe de uma criança especial. Como eu, que nem sabia cuidar de um bebê "normal" ia dar conta dos cuidados de alguém com essas condições? Foi um final de semana muito difícil, filha. Eu e seu pai chorávamos, conversávamos pouco e baixo, pesquisávamos na internet, chorávamos, ficávamos perdidos em pensamentos desordenados e chorávamos mais um tantão. Nós vivemos um luto doloroso e intenso, meu amor. Precisávamos passar por aquilo e abrir mão do bebê que idealizamos para aceitarmos o bebê maravilhoso que tínhamos, mas ainda não sabíamos. Na segunda-feira seguinte, em outra ultrassonografia, a Síndrome de Down foi descartada, mas não a chance grande de uma alteração genética. Foi naquela consulta que descobrimos que você era você. Naquele dia soubemos que seríamos pais de uma menina, da nossa Nana. E essa notícia foi como um refrigério. Pegamos um fôlego importante para a luta grande que travamos para o seu nascimento com vida. Pois é, você queria sair rápido do quentinho da minha barriga. É como se, sabendo qual a sua missão aqui, precisasse começar logo.

Na noite de 17 de março de 2013 escutei o seu choro miado pela primeira vez. Baixinho, mas presente. Você nasceu com 31 semanas, pesando 890g e medindo 34,5cm. E ali começou a nossa jornada de 68 dias na UTI Neonatal. Quase 520km nos separavam de nossa casa. Fomos longe para você ter todo o acompanhamento de que precisava nos primeiros dias da sua vida do lado de cá. Foram 10 semanas dentro do hospital até que nós estivéssemos prontos para encarar o mundo. Um mundo de estimulação precoce, dietas controladas em horários fixos, de visitas à especialistas, de pouco sono... Um mundo ainda assombrado pela indefinição do diagnóstico. Por mais que quiséssemos atribuir toda a sua hipotonia e atraso no desenvolvimento à prematuridade, sabíamos que havia algo mais.

Você ainda não tinha três meses de nascida quando o diagnóstico chegou por e-mail. Deleção do braço curto do cromossomo 4. Era tarde da noite. Corremos para o Google e fomos apresentados às palavras em alemão que nos acompanhariam para sempre: Síndrome de Wolf Hisrchhorn. Dentre todas as fotos e previsões assustadoras, saltava aos nossos olhos o dado (que agora sabemos ser muito desatualizado) de que 1/3 das crianças não sobrevive ao segundo ano de vida.

Eu sou muito prática, princesa. Preferia encarar isso do que o desconhecido. Sabia contra o que estava lutando ou a que precisava me adaptar. Conversamos com a geneticista que te acompanhava, tiramos nossas dúvidas, fomos orientados quanto aos pontos de sua saúde e desenvolvimento que precisávamos prestar mais atenção e estufamos o peito ante a esse desafio. Não temos formação acadêmica na área da saúde, mas nos tornamos especialistas em Giovana. Sabíamos de cabo a rabo todos os termos difíceis que envolviam a sua condição. Reconhecíamos seus gestos contidos e sons baixos. Aprendemos a ser seus pais, seu porto seguro, sua voz, seus braços, suas pernas... Aprendemos a antever suas necessidades e adivinhar os seus desejos. Você nos ensinou que o amor é capaz do extraordinário.

Por 24 meses, a cada dia 17 comemorávamos sua vida com um bolo. Reunimos família e amigos algumas vezes, outras cantamos Parabéns pra Você no café-da-manhã. Celebramos seu 18º mês de vida com cupcakes da Mônica, porque seu primeiro dente havia rasgado. Nos primeiros anos, você costumava passar tardes cúmplices com seu pai e inícios de manhãs preguiçosas comigo. As noites eram agitadas, nossa Nana sempre foi baladeira. Tão generosa desde sempre, tinha Nana para todo mundo que precisasse de amor.

Na nossa rotina tinha médicos, viagens mensais para consultas, tinha terapias, estimulações, preocupações, pesquisas, incertezas... Mas sempre teve tanto amor, tanta fé, tanta vontade de nossa família dar certo que era inevitável que fôssemos felizes.

Você irradia luz e paz, filha. Você desperta o melhor nas pessoas. Você emana amor. Nossos familiares são apaixonados por você. Pessoas que nunca te viram pessoalmente relatam diariamente o quanto o seu olhar é sereno e o seu sorriso é doce. Você não precisou falar para ensinar lições valorosas e eternas de determinação e de força. Aquela força que vem da certeza de que está amparada, de que é amada, de que a vida vale a pena e de que a beleza está dentro da gente, esperando uma oportunidade para se manifestar.

Você é grande, minha pequena. Ser sua mãe é a maior felicidade da minha vida. Muito obrigada por dividir a sua jornada comigo. Se mil vezes pudesse escolher, um milhão de vezes sua mãe decidiria ser.

Gabriela Roza Lima, orgulhosamente mãe de Nana

*Giovana é a única filha de Gabriela e Fabyano, e foi diagnosticada com Síndrome de Wolf Hischhorn no segundo mês de vida. A Síndrome de Wolf Hisrchhorn é causada pela deleção (falta) de uma parte do cromossomo 4. Embora a perda genética seja pequena, afeta áreas importantes do desenvolvimento global, comprometendo funções cognitivas e motoras. Prestes a completar 6 anos, Nana está aprimorando a habilidade de mastigação e aprendendo a se equilibrar de pé. É uma criança não-verbal que descobriu formas alternativas de expressar suas vontades. Tem temperamento forte, gosta de festa e de gente. Gabriela compartilha a rotina de Nana no perfil @maedenana no Instagram.