@momentosconhecimentos

Síndrome do triplo x

Convidei a Lisiane para partilhar a sua história e com muita simpatia aceitou. Quando conheci melhor a sua luta e coragem, decidi criar uma área própria aqui no Blog, para ajudar a partilhar a temática da síndrome do triplo x, através da história da linda Marina. Porém não fica por aí... leia o seu testemunho em baixo. É longo, mas vale cada palavra.
Quanta honra ter a vossa história aqui!

A história está dividida em 2 partes: PARTE 1 (até 2019) e PARTE 2 (final 2019 e 2020)

PARTE 1:

Sou Lisiane Bernardi, psicóloga, esposa, mãe de três filhos, (duas meninas, 2 e 11 anos e um menino de 13) e criadora da página do Facebook e do perfil do Instagram @momentosconhecimentos, hoje vou contar um pouco da nossa história de lutas e superações.

Sempre digo que nossa história de lutas e vitórias iniciou com algo inusitado que aconteceu com nosso filho (vou resumir aqui pois contar tudo ficaria muito longo, mas depois deixo o link com toda a história dele). 

Ele vivenciou as piores dores imagináveis, de um dia para o outro, começou a ter dores nas pernas até o ponto de não andar mais, foi hospitalizado, fez vários exames e não encontravam nada, foi um mês de muito sofrimento, pela dor que tinha, ele não suportava nem colocar meias, nem o toque da água do chuveiro, muitas vezes só tapava o rostinho com um pano para ficar quietinho sem nem ver a luz do sol, passou por diversos exames dolorosos, ficou 5 dias na CTI... Mas mesmo com tudo isso, nunca dizia que queria ir embora ou sentia falta de alguma coisa. Sua atitude positiva e o seu encorajamento nos mostrou muitas coisas que até ali não tínhamos vivido e aprendemos com uma criança que podemos enfrentar qualquer limitação. Superamos todas as circunstâncias, com essa lição de fé, coragem e resiliência que ele nos passou, já que nunca reclamava de nada, enfrentava todo tipo de exames sem demonstrar medo ou querer desistir, somente esperava pelo dia que receberia sua cura, já que tinha certeza disso.

Nossa cidade se reuniu em oração por ele e isso nos ajudou bastante. Depois desse tempo o neurologista Dr Felipe Kalil encontrou o diagnóstico de Distrofia simpático reflexa e logo ele começou a ficar bem, em pouco tempo já não tinha mais nada (foi totalmente curado). Segundo o Dr foi uma remissão espontânea, mas segundo o que acreditamos, foi um milagre.

Nesse período também tivemos que ficar longe de nossa filha Isa, que na época tinha 8 anos (não havia recursos em nossa cidade e fomos transferidos para bem longe), isso também não foi fácil para nós e para ela, que também enfrentou firme e forte.

Esta história (que aqui só dei uma pincelada), gerou um livro escrito por ele e por mim como coautora, chamado "O Milagre". Resolvemos fazer isso por sabermos que em tudo Deus tem um propósito maior e sentimos que o que lhe aconteceu não era para ficar guardado, mas sim, ser compartilhado, para que talvez, através de sua história, conseguíssemos ajudar outras pessoas que podem estar passando por algo parecido e precisando de encorajamento, inspiração... Compartilhamos ali algumas lições e ensinamentos, sobre as sutilezas das relações humanas, das amizades, da união da família, do olhar do outro sobre nós, mas principalmente sobre o valor das pequenas coisas e da vida.

Após o lançamento do livro, devido ao grande número de pedidos por mais, (já que esgotaram os da primeira edição), decidimos lançar uma versão atualizada e disponibilizar um link para leitura gratuita do mesmo. Foi aí que surgiu a página no facebook @momentosconhecimentos para hospedar o link. No entanto, não ficou só nisso, lá e no Instagram (que surgiu depois) falamos um pouco sobre tudo, sobre inclusão, diversidade, resiliência, compaixão, síndromes, terapias e tantas outras coisas que permeiam nossas vidas. Compartilhamos alguns de nossos momentos, principalmente com nossa filha mais nova, suas lutas, conquistas e também conhecimentos de profissionais de diversas áreas. A proposta é tentar de alguma forma também ajudar outros, COMPARTILHAR experiências, disseminar informações diversas sobre temas que precisam ser discutidos, apoiados, divulgados. Provocar reflexões, inspirar atitudes, expandir mentes...

Depois que o Pedro melhorou, um dia ele veio e nos disse:

"Eu tive um sonho e senti claramente Deus falando comigo sobre algo que vai acontecer. Sonhei que estávamos eu, o pai e a Isa orando em frente a uma montanha e Deus deixou rolar lá de cima uma pedra, eu a peguei e dizia: MAR, depois deixou cair outra, que dizia: INA, eu as juntei e formavam: "MARINA", aí fomos contar para a mãe que Deus nos mostrava ali que ela iria ter um bebê, que seria uma menina e que se chamaria Marina."

Quando ele nos falou isso, dissemos que se fosse da vontade de Deus, isso aconteceria. E então, quando menos esperávamos veio a gravidez, fiquei bem apreensiva pois estava completando 40 anos, tive diabetes gestacional, precisei me cuidar, mas depois correu tudo bem. E enfim, era uma menina, que não poderia ter outro nome a não ser Marina!

Terei que resumir a história dela porque aqui daria outro livro rss! Digo que o milagre dela já iniciou quando nasceu, pois, acredito que teve que ser reanimada já que recebeu a pior nota no apgar (teste feito ao nascer), nota 1 - que significa que só estava viva. Naquela hora não tive a alegria de já pegá-la no colo, curtir o momento, pois a levaram rápido para uma sala, foram minutos que pareceram horas, até nos mostrarem que ela estava bem.

Depois disso não percebemos nada, pois não há características físicas, só descobrimos quando ela tinha 3 meses e não estava atingindo os marcos de desenvolvimento. Então, realizamos o exame genético. Ao sair o resultado, começamos a fazer muitos exames, inúmeras consultas, longas viagens atrás dos melhores especialistas... O diagnóstico foi dessa alteração cromossômica, chamada de síndrome do triplo x, que é uma condição genética, sem causa, somente 10% das meninas/mulheres são diagnosticadas, muitas não apresentam NENHUM sintoma (podem ter e não saber). Em vez de ter xx como as outras, elas tem 1 ❌ a mais e então fica com: xxx, em vez de 46xx, são 47xxx - por isso chamam de SUPER mulher e a Marina então chamamos carinhosamente de Super Girl, Super Nina, até porque ela é super em vários sentidos, uma guerreira mesmo, já que enfrenta muitas lutas...

Sobre o que ela enfrenta terei que resumir, para não me alongar tanto, (quem quiser, depois pode acompanhar sua história no instagram e na fanpage, onde contamos um pouco sobre ela). Ela já realizou vários tipos de exames, alguns até com anestesia geral (o que sempre preocupa uma mãe - ela fez 3), passou por praticamente todas especialidades médicas, para descartar possíveis alterações e outras específicas para as patologías que apresenta, já que no caso dela, apareceu sintomas. Para irmos nas consultas mensais, sempre enfrentamos 6 horas de viagem e acabamos tendo que deixar os mais velhos, o que também não é fácil.

Com alguns meses, percebemos que ela tinha baixa estatura (no xxx geralmente são mais altas, em raros casos são menores), mas isso é algo que ainda vai precisar ser tratado); Com 1 ano teve 2 convulsões, que estão controladas com medicação, (10% das xxx podem ter); Já teve 4 vezes internada por ter pneumonia e precisar de oxigênio; Antes dos 2 aninhos fez uma cirurgia, pois tinha um dedinho a mais (algo que não é do triplo X), ficou com gesso no bracinho por 20 dias e nunca reclamou, agora só restou a cicatriz, como digo: cicatrizes contam histórias, fazem parte de nós, e essa nem foi a primeira, rsss, (teve catapora com 6 mesinhos e ficou com algumas).

Como tratamento ela faz fisioterapia, fonoterapia, terapia ocupacional, equoterapia e músico terapia. Todos os dias ela tem duas dessas atividades, um pela manhã, outra a tarde, fora alguns intensivos de outro método de fisioterapia que realiza as vezes em outra cidade.

Enfim, este é um breve RESUMO, essa guerreira já enfrentou várias lutas, mas o importante é que sempre venceu e vai vencer as que estamos passamos ainda.

Sobre quando recebemos o diagnóstico, se eu falar que não fiquei abalada, estaria mentindo, nós sentimos dor, o medo do novo, a tristeza por saber das possíveis dificuldades que podem vir a ser enfrentadas e logo veio a busca de informações sobre o que isso significaria para as nossas vidas, iniciamos muitas pesquisas e então percebemos que há pouca literatura em Português, muitas incompletas e até com informações erradas. Descobri que não havia nenhum grupo formado aqui no Brasil (somente no exterior, mas só encontrei depois), e senti a necessidade de contato e busca de informações com outras com a mesma condição, já que nada se compara a troca de experiência com alguém que vive o mesmo e, foi aí que criei um perfil no facebook chamado: "Triplo X". Aos poucos, foram surgindo muitas meninas e mulheres, todas estavam sozinhas com sua condição, nunca haviam falado com outras xxx e muitas com pouca informação. No face também agregamos estrangeiras de vários países.

Então hoje represento a Trissomia do X aqui no Brasil.

Muitas vezes,  a desordem é tão rara que há pouca ou nenhuma informação. Não há muitos livros ou artigos para se dirigir e, muitas vezes, mesmo seu médico não tem informações para lhes dar (e isso em vários casos, é igual em todos os países, tenho conversado muito com mães do mundo todo sobre uma certa síndrome rara, e todas dizem o mesmo, que a grande maioria dos médicos desconhece), isso dá um medo ainda maior, no entanto, isso impulsiona a nós mesmos buscarmos mais, irmos atrás, pois acho que ninguém se importa tanto quanto nós pais amorosos. Sempre digo para as mães que entram em contato comigo que levo como inspiração um filme que vi ainda na faculdade "Óleo de Lorenzo" (resumindo - é uma história verídica de pais que não encontram apoio e vão por conta própria em busca da cura).

Outras vezes, a informação existe e o drama então é outro, naquela hora nos sentimos sozinhos, mesmo que alguns nos apoiem, falar com quem vive o mesmo é muito diferente.

A partir do momento em que você conta sua história, tem a oportunidade de conhecer milhares de pessoas passando por desafios parecidos e pessoas repletas de empatia dispostas a ajudar. Ao mesmo tempo em que você se sente ouvido e compreendido, estará ajudando todos aqueles que leem e se identificam.

Hoje minha força vem da fé que tenho em Deus, de saber que Ele sempre tem algo bom para seus filhos, por isso confiamos que a seu tempo tudo vai dar certo, mesmo não vendo hoje, temos fé num final feliz para tudo que tivermos que passar. Digo sempre que a Nina também é minha inspiração pois se um bebê enfrenta tudo que ela vive, sempre serena, sem reclamar... quem sou eu para não conseguir?

E se tudo o que aconteceu e está acontecendo, servir para hoje podermos ajudar outros, pois sabemos como isso fez falta para nós no início, sentimos que esta é nossa missão, não podemos ser egoístas e guardar aprendizados, precisamos passar adiante.

Sempre tivemos esse coração, ensinamos as crianças a serem assim e hoje já estamos colhendo esses frutos, eles estão escolhendo por conta própria fazer trabalhos escolares com temas que ajudem ao outro e já estão até palestrando em outras escolas.

Acredito que tudo isso é só o começo, ainda teremos muito o que contar, haverá outros livros, mais aprendizados para compartilhar e milagres para testemunhar...

Nada acontece por acaso, então, desejo que tudo que vivemos, sirva para inspirar outras pessoas que estiverem passando lutas, a não desistir e crer que diagnóstico não é destino. Saberem que ter amigos com quem contar é importante, que o amor da família e a união de muitos em oração pode mudar uma história. Além da nossa ter sido mudada com a cura do Pedro e o diagnóstico da Nina, nossas vidas também foram tocadas e transformadas para sempre. Aprendemos a ter um outro olhar para tudo, para o outro, para o valor das pequenas coisas e conquistas que as vezes nem percebemos, é nisso que todos deveriam focar, nas conquistas, mesmo que pequenas, nas coisas boas, na coletividade...

Em meio as lutas não podemos jamais perder a fé ou desistir, temos que transpor as tristezas e ter a esperança como uma imortal guerreira dentro de nós.

É muito importante estarmos em contato com outros, falar ajuda, faz bem, o sofrimento torna-se menor, e nos sentimos mais fortes e encorajados a continuar e enfrentar. E assim também, cada vez mais poderemos fornecer informações e suporte para famílias únicas como cada uma das nossas. Pais que passam por adversidades, tem o amor diário desses filhos incríveis que é recompensador e uma dádiva, só que naturalmente muitas vezes ficam cansados, mas, não se deixem abater e acreditem que sempre dá para vencer, mesmo estando algumas vezes no limite, não desistam, quando a medicina limitar, vão adiante, nunca deixando de acreditar que vai existir uma resposta, uma saída. 

Muitas vezes nos chamamos de super mãe, super pai, mas não nos achamos super heróis, porque eles são fictícios e nós somos reais, não temos capas nem máscaras, na verdade, nos expomos, não enfeitamos os acontecidos, não nos preocupamos em postar fotos profissionais para ficar bonito nas redes sociais, mas sim, queremos contar nossas vivências, experiências, aprendizados de uma forma simples, já que sabemos o poder transformador que há em ver que outros também vivem o mesmo e que são pessoas comuns que podem nos inspirar com sua superação diária, isso nos fez bem, talvez faça a você também, ajudar de alguma forma os outros, nos fortalece. 

Não fiquem só e contem conosco!


Link do livro: https://www.escoladauri.com.br/arquivos/livros/Livro21_.pdf

facebook e instagram: @momentosconhecimentos

PARTE 2:

Em 2019 e agora em 2020, acompanhei de perto as dores e preocupações da família da Nina e no dia do seu aniversário de 3 anos, convidei novamente a Lisiane, mãe da Nina, para partilhar a evolução e os últimos meses da sua Guerreira. Deixo aqui as suas palavras:

"Por um tempo tudo corria na medida do esperado, terapias, vida sendo vivida... Mas esta teima em desafiar nossa pequena, e então, surge o inesperado (tentarei resumir).

Início de dezembro viajamos para uma de suas consultas de rotina (em outra cidade), mas estava abatida e a levamos para consultar sobre isso, aí já internou com pneumonia, (provavelmente aspiratória). No outro dia teve febre e a infecção desencadearam convulsões (uma madrugada inteira) e depois esporádicas, após uns dias.

Fizemos uma viagem de 4h de Ambulancia para transferí-la para CTI de outra cidade com mais recursos. Logo precisou entubar para receber ventilação mecânica, após alguns dias extubou, esse processo é horrível, sofreu muito. 

Mas após poucos dias pegou uma bactéria agressiva que a fez ter uma pneumonia mais grave ainda, comprometendo todo pulmão esquerdo (antes era só metade do direito). Entubou novamente. Nossa guerreira permaneceu firme com um super meio pulmão, (75% estava comprometido.

Foram dias de luta, recebeu sangue, sonda de todo lado, teve sangramento dos alvéolos pulmonares... E após começar a melhorar, permanecia entubada pois precisava sair do desmame de calmantes que foram MUITOS e fortes.

Foram os dias mais difíceis de nossas vidas. Nesse tempo, formou-se um exército de oração do mundo todo por ela. Trouxemos os manos para a mesma cidade onde a Nina estava internada, já que estavam na nossa que era longe e queriam ficar por perto de nós.

Nesse tempo Vimos Deus agir com Mini Milagres (nossa nova frase de vida!).

Passamos o natal, depois o ano novo, tudo dentro da CTI e após melhorar o risco de extubar era grande já que muito tempo usando o tubo, mas Deus fez um milagre e a salvou! 

Após vencer até risco de morte, com 30 dias de CTI fomos para um quarto. 

O desmame dos medicamos fortíssimos não era fácil. 

Ao melhorar fez uma cirurgia de colocada de gastrostomia - sonda de alimentação para que ela ganhe peso e não aspire (é um processo que não tem data marcada para retirada, mas que é reversível). 

Quase 2 meses depois, partimos para internação domiciliar, um mês reaprendendo tudo... Mas nossa fé sempre esteve lá, nunca duvidamos que ela venceria, Nina sempre contrariava os prognósticos, sempre nos mostrava exemplos de resiliência, força e superação... E assim, hoje em casa, está muito bem, tem muito ainda para conquistar e sabemos que vai... agora completou 3 aninhos e continuará ensinando ao mundo muitas coisas ainda!"